Tema Central
O Mar como horizonte... Um oceano de certezas na Estratégia 2020
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- Escrito por David Jorge Mascarenhas dos Santos, Presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve
Como referia o Prof. António Rosa Mendes, se queremos olhar o Algarve no horizonte futuro de 2020, temos que olhar para o único fator e o principal recurso que ao longo da sua história marcou o destino e a realidade económica, social e cultural da Região, o Mar.
A riqueza do mar do Algarve compreende-se facilmente se olharmos para o recorte da sua costa entre lagunas e estuários onde se produzem uma autêntica “sopa a de nutrientes e seres vivos” que permanentemente são lançados ao mar, num equilíbrio estratégico para a biodiversidade do meio marinho. A esta conjunção de dinâmicas, associam-se ainda os movimentos ascendentes e descendentes das correntes quentes de África e frias do atlântico, conjugada com a entrada para o mediterrâneo, fazendo com que este mar possua caraterísticas excecionais.
Dos fenícios aos romanos, dos povos árabes à coroa portuguesa, o Reino dos Algarves (o ocidente do Al Andaluz), na periferia da periferia da Europa, era sinónimo de uma fachada atlântica com uma posição estratégica para o Mediterrâneo e território de “…bons portos, bom peixe e bom sal…”. Como refere Rosa Mendes “…quando nos finais de Março de 1249 o rei D. Afonso III veio assenhorear-se do Algarve isso foi vital para a sobrevivência de Portugal enquanto reino independente porque… permitiu o acesso ao Mediterrâneo e ao golfo Luso-hispano-marroquino…”.
Esta combinação de fatores competitivos: uma posição geográfica estratégica, portos de águas calmas, recursos naturais abundantes (onde se destacavam as espécies capturadas pela qualidade e diversidade), a existência de salinas com grande produção e atividades artesanais relevantes (no barro e na cestaria), transformaram a região num centro exportador para as diversas regiões do Império, sendo reconhecidopela qualidade dos seus produtos como o peixe, com destaque para o garum (pasta de peixe) bastante apreciada em Roma (conservado para durar longos períodos), o azeite, ou o vinho.
No séc. XVI os portos do Algarve (Lagos, Faro e Tavira), têm um forte incremento resultante do seu excelente posicionamento estratégico de proximidade entre as duas maiores potências europeias dos descobrimentos (Sevilha e Lisboa), procurando explorar o crescimento desses com a diversidade de produtos que o Algarve podia exportar: (atum, corvina, e sardinha, frutos secos, azeite, vinho, gado, passas de uva, cera, esparto, palma e cal). Importa referir ainda que o segredo que justifica a facilidade de exportação destes produtos decorria da sua própria natureza e/ou da sua forma de conservação.
Durante o séc. XX dois acontecimentos antagónicos se desenvolvem. Na primeira parte do século passado uma industrialização tardia (mas eficaz), faz com que todos os recordes de produção, transformação e exportação sejam batidos quer eles estejam associados à captura do pescado ou à produção, conservação e exportação de frutos secos.
No entanto a partir dos anos 60 os elevados lucros que a atividade turística vai gerar modifica definitivamente a estrutura socioeconómica e frustra qualquer tipo deinvestimento noutros sectores económicos a curto e a médio prazo. Estes fluxos populacionais maciços, e o crescimento de atividade Turística, foram tomando conta do litoral, convertendo a sua vocação de espaço industrial e produtivo, para área imobiliária e de lazer. Mudaram-se as funções, reconverteram-se profissões, passámos de exportadores de produtos a exportadores de serviços, mas não se perdeu a vocação e o potencial do Mar. Prova disso, encontramos na Região hoje, áreas de excelência associadas ao Mar, da construção e reparação naval à salinicultura, da aquicultura (com a forte aposta na produção de bivalves), às capturas de atum e aos viveiristas, dos portos comercias e de cruzeiros às marinas de excelência, são setores vivos e com afirmação, a que se juntou a investigação de referência na área do Mar da Ualg e as recentes star up’s e spin off criadas nestes domínios (particularmente ao nível da biotecnologia, algas e alimentação de peixes).
A Estratégia do MAR Algarve no horizonte de uma Europa mais Inteligente, Sustentável e Inclusiva
Cada período de programação é, normalmente, um momento de reflexão nacional, regional e comunitário, sobre a realidade dos recursos e sobre as estratégias de intervenção pública no sentido de, com base nos recursos em presença (territoriais e financeiros), assegurar as escolhas mais adequadas para garantir a superação dos constrangimentos diagnosticados.
O novo ciclo 2014-2020, não fugindo a esta dinâmica, aponta como necessário o reforço da orientação para os processos de inovação e para as estratégias de especialização inteligente, mas também permite constatar que a região, especializada no cluster de Turismo e Lazer (mobilizadora de recursos públicos e semipúblicos e de uma boa parte dos investimentos privados), consolidou um modelo que se mostra pouco eficaz na criação permanente de emprego e com grande sensibilidade à desaceleração económica induzida por fatores externos.
O Mar, mais do que um potencial regional, surge assim como um desígnio estratégico de afirmação e de valorização dos recursos endógenos, pela via da incorporação de mais-valias nas atividades, produtos e serviços e pela necessária transferência do conhecimento para o mercado. Mais do que a aposta em setores revolucionários, devemos orientar-nos para fazer melhor o que já fazemos bem e fazer do velho, novo, com base na introdução de inovação e de recursos humanos mais qualificados.
Para atingir estes objetivos temos que recuperar o Mar na sua versão exportadora, o Mar como fator diferenciador da nossa presença no mundo, acrescentando à sua cadeia de valor as vocações entretanto assumidas no âmbito do lazer e da exploração de recursos naturais e suscitando uma maior integração entre diferentes atividades, de forma a aumentar a criação de riqueza e o emprego.
Nestes domínios a aquacultura (in e offshore com particular relevo na produção de bivalves), a valorização e promoção dos produtos alimentares de origem marinha (de que a flor de sal é já um bom exemplo), a revitalização da indústria conserveira (inovando no produto e na comercialização), a aposta no leque alargado de atividades ligadas à náutica, ao lazer e desporto e aos cruzeiros, o reforço da integração dos recursos e de produtos ou serviços associados ao mar em setores como o Turismo, a Saúde, as TIC’s e a Energia, a par da investigação aplicada e da utilização de tecnologias avançadas, são o caminho de afirmação do Algarve no horizonte 2014-2020.
As Dimensões Estratégicas do MAR Algarve
O futuro quadro 2014-2020, confere à região, a gestão multifundo de (FEDER e FSE) e a possibilidade de integrar no processo de gestão a decisão conjunta sobre a aplicação de fundos de desenvolvimento rural e das pescas. Nesse sentido a programação integra para a área do Mar, intervenções em todos estes domínios.
O plano de inovação para o Mar, presente na Estratégia de Especialização Inteligente RIS3, tem como objetivos específicos:
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O desenvolvimento das atividades relacionadas com a utilização dos recursos marinhos e marítimos (pesca, salicultura, valorização/transformação dos produtos do mar);
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O ordenamento e requalificação das zonas ribeirinhas, das frentes de mar e da orla costeira;
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A dinamização das atividades associadas ao recreio náutico;
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A conservação e valorização da natureza e da biodiversidade, a par do desenvolvimento de atividades consentâneas com a sua sensibilidade ecológica;
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A modernização do sector da aquicultura e o estímulo a novas atividades de investigação;
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O aproveitamento turístico (associado ao desenvolvimento e consolidação dos segmentos da industria naval, náutica de recreio e de cruzeiros e turismo de natureza);
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E a prevenção de alterações climáticas e de riscos associados à orla costeira.
E como ambição “garantir às gerações presentes e futuras a manutenção e o usufruto do seu património marinho e marítimo (natural e cultural) associado ao desenvolvimento social e da economia do mar, através da gestão da zona costeira e do Mar do Algarve de forma sustentável, equitativa, holística e integrada, promovendo uma ética do mar e criando uma imagem de marca marítima inovadora e internacional, baseada no conhecimento, dinâmica de participação, inovação e liderança”.
Em grandes linhas, a estratégia 2014-2020 (numa abordagem integrada multifundo),propõe-se atuar nos seguintes domínios:
1 – O Mar Empresarial (EmpreendMAR)
Pretende-se associar a prática económica com a capacidade de desenvolvimento da sociedade do conhecimento, a aposta na inovação, na melhoria da liderança, bem como a eficiência associada à valorização do património marítimo-cultural, tendo como bases o desenvolvimento social e ambiental.
Aposta-se no desenvolvimento de um cluster de atividades económicas para o Mar, através:
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Do desenvolvimento de parcerias privado-privado e público-privado, de forma a desenvolver sinergias, tendo presente a identidade sociocultural do Algarve, bem como o uso sustentável dos recursos marinhos;
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Da transferência de conhecimento para o mercado, fomentando a procura de novas oportunidades de negócio em diversas vertentes: investigação (ex. biotecnologia, incubação de empresas, liderança de projetos internacionais, transporte marítimo, náutica de recreio, e novas oportunidades para o turismo: “Ligar terra-a-mar”, congressos, formação, atividades subaquáticas, cruzeiros, etc.);
Compreende as seguintes medidas/ações:
► Pesca, aquacultura e atividades económicas ligadas aos recursos do Mar
► Náutica, Construção e Reparação Naval
► Turismo, lazer, desportos e náutica de recreio
2 – O Mar Inovador (InovMAR)
Propõe-se valorizar e manter a diversidade e a sustentabilidade dos ecossistemas e recursos marinhos, valorizando o conhecimento científico de excelência desenvolvido na Região, reforçando as redes de conhecimento e as parcerias internacionais, dando relevo à formação e investigação avançada do Algarve à escala global e gerando emprego qualificado.
Compreende as seguintes medidas/ações:
► Uso e desenvolvimento da orla costeira
► Riscos e processos litorais físicos (efeitos das ondas, marés, correntes, tempestades, alterações climáticas)
► Qualidade da Água
► Património Cultural e Paisagem
► Conservação da Natureza
3 – Valorização do Mar (ValorMAR)
Fortalecer a identidade e a cultura marítima e criar e lançar uma imagem de marca de maritimidade com projeção internacional. A imagem de marca deverá estar assente na excelência dos recursos territoriais do destino Algarve, na defesa e potenciação dos aspetos culturais, históricos e patrimoniais mais intimamente ligados ao mar, reforçada pela especialização do conhecimento, inovação e liderança.
Compreende as seguintes medidas/ações:
► Imagem (Ex. Algarve dos Descobrimentos)
► O Mar como centro de conhecimento
4 – Mar Inclusivo (IncluirMAR)
Promover a inclusão de comunidades piscatórias e combater situações de exclusão social.
Compreende as seguintes medidas/ações:
► Revitalização das Comunidades Ribeirinhas
► Ações Territoriais Integradas (Ex. Ria Formosa)
5 – Governança do Mar (GoverMAR)
Com este objetivo pretende-se a promoção de uma gestão integrada e holística, participada pelos diferentes atores do mar do Algarve, conducente à resolução de conflitos nos usos do mar, ao desenvolvimento de parcerias e sinergias, redução dos custos de oportunidade e de contexto, contribuindo para uma melhor articulação entre o desenvolvimento regional e os objetivos das políticas ao nível nacional e Europeu.
Compreende as seguintes medidas/ações:
► Simplex MAR
► Valorização de Recursos Humanos
► Integração e Coordenação
Neste contexto, a Estratégia Regional, procura (em linha com as orientações europeias), encontrar parcerias alargadas para focar a sua ação no reforço das articulações horizontais e verticais entre setores (o conceito de variabilidade relacionada). Nesse âmbito, identificam-se áreas de excelência (já com dimensão critica relevante no território) e que podem relacionar os setores chave da especialização regional:
Sub matriz para a Especialização Inteligente no Algarve - de nichos de excelência no mar
Setores RIS3 |
Turismo |
Mar |
Mar |
Sol e praia Turismo náutico Cruzeiros Ecoturismo Animação – Cultura/Identidade |
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Agroalimentar |
Pescas Aquicultura Sal |
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Energias Renováveis |
Algas Eólica offshore Ondas |
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TIC e Atividades Criativas |
Tecnologias marítimas Racionalização de energia nos portos e navios Sistemas de navegação |
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Saúde e Ciências da Vida |
Biotecnologia azul Cosméticos Produtos farmacêuticos |
O mar nos últimos 2000 anos foi o futuro para o Algarve, incompreensivelmente nos últimos 50 anos o mar passou a ser passado. A herança que nos foi legada exige um olhar mais responsável com o futuro, uma responsabilidade que tem de ser inteligente e racional e partilhada.
Tendo o MAR como horizonte, estamos certos que a Região do Algarve, voltará a encontrar (tal como no passado) nos seus recursos endógenos a resposta para superação dos seus constrangimentos e um sinal de afirmação do seu potencial no contexto do Cluster Nacional do Mar.